É
engraçado o quanto diversas pessoas tentam impor a vontade delas sobre outros
seres humanos. Isso acontece em muitas esferas sociais, de diferentes formas,
mas neste momento o que quero tratar é sobre estas questões em relação ao
ambiente familiar.
Quem
nunca teve aquele parente próximo que chega e diz: “Quando você crescer, depois
de estudar muito, vai ser médico e ter muito dinheiro”? Bom, não se trata só de
Medicina, mas também Engenharias, Direito ou trabalhar na Petrobras, seja lá
com que profissão... No fim, o que importa é a visão neoliberal e o dinheiro
que você deve ter. É uma cultura lamentável da nossa sociedade capitalista,
pois isso acaba limitando muita gente justamente na idade que as pessoas
descobrem seus próprios dons.
Geralmente
este tipo de situação é recorrente quando se é criança até adolescente, mas
também transpassa a vida adulta. É ainda mais presente nos tempos de
vestibular. Os familiares mais próximos, amigos da família e pessoas próximas
em geral, sempre te colocam, de pouco em pouco, a obrigação de ter um emprego
onde você ganhe bem e geralmente seguir uma profissão que tem status na
sociedade. Jovens são pura energia, transformam suas visões o tempo todo, é a
época de descobrir suas habilidades e o que de fato você gosta de fazer.
Infelizmente o modelo de escola que temos hoje não nos permite explorar a nossa
capacidade intelectual como um todo e a sociedade nos moldes neoliberais não
nos dá muitas chances para seguir as carreiras que desejamos realmente, em
geral. Logo, parece que é uma obrigação você com 18 anos ter que escolher a
profissão que vai seguir para toda a vida, já planejar todo o seu futuro,
passar de primeira no vestibular e, sobretudo ganhar muito dinheiro. Aí você
vai dar orgulho pra sua família. O quanto antes tiver status, melhor para
todos.
Isso
é realmente o correto? Tenho certeza que não. Primeiro muitos jovens demoram a
descobrir suas habilidades, seus dons e as carreiras que gostariam realmente de
seguir. Isso não necessariamente (e quase nunca, na verdade) acontece aos 18
anos. Porém, há toda uma pressão para que você passe da escola direto pra
faculdade. Jovens, não sintam essa pressão toda. É benéfico sim passar direto
pra faculdade, principalmente se for um curso que realmente deseja. Mas não se
sinta na obrigação de abraçar o mundo antes do tempo certo. Isso é um câncer
cultural que obriga as pessoas a tomar decisões que não querem. Se você quer
ter mais tempo para decidir o que quer fazer, não tenha medo de ter. Seja
sincero e fale com seus pais, não desista da sua própria vontade.
Muita
gente que chega ao ensino superior acaba largando por não ser exatamente o que
a pessoa queria. Isso acontece muito pelos fatos que citei anteriormente. Claro
que há a parcela de pessoas que realmente achavam interessante e na prática
acabam por não gostar. Mas sinceramente, acho a menor parte. A maior parte dos
abandonos do ensino superior se devem ao fato da pressão absurda de entrar numa
universidade antes mesmo de você realmente saber o que quer ou pelo menos ter
uma boa ideia. Com essa pressão, você acaba por escolher qualquer coisa ou o
menos pior. Não é o sentimento de “ah, essa carreira é muito bacana, é isso que
quero fazer”. Antes disso tudo, tem que ser feita muita pesquisa, muita
reflexão e realmente pensar de vale a pena.
Pior
do que isso é completar um curso apenas para agradar seus pais. Nunca faça
isso. Se seu pai quer que você faça Medicina e você quer fazer Geografia, seja
forte e escolha o que você realmente quer. Não adianta ser um profissional
eternamente insatisfeito com a própria profissão. Esse pensamento é válido para
qualquer área. Tenha força de vontade e siga o seu coração, sem medo de errar.
Muitas pessoas acabam por te dizer que a profissão x ou y é legal, mas que não
vale a pena porque você vai ganhar pouco. Chegamos a um paradoxo. Ganhar muito
dinheiro é legal sim, é importante, mas isso substitui o valor e o amor que a
pessoa pode dar a uma profissão que ela mesma escolheu? Quer dizer que se a
pessoa for um professor e ganhar 1200 reais por mês, mas ser um grande
profissional, realizado, trabalhar de forma admirável e honrar com seus
compromissos, esse caminho não vale a pena? Vale sim, e muito! Não adianta
ganhar um salário alto, agradar a cultura capitalista, e ser um frustrado.
Outro
engano também é sobre o salário. Toda profissão tem como você ganhar muito bem.
Sim, é mais difícil em algumas, leva mais tempo, mas toda profissão tem seus
extremos, tanto para baixo quanto para cima. Ou seja, um médico pode ganhar mal
e um músico free-lancer pode ganhar muito bem. Sim, pode. O que define se você
vai ganhar bem ou mal, geralmente é a sua dedicação ao que faz. Oportunidades
aparecem para quem busca para quem quer sempre melhorar e crescer na sua
profissão. Logo, chegamos ao primeiro fato: é mais fácil se dedicar muito e
crescer absurdamente numa profissão que goste, seja qual for, do que numa
profissão que foi imposta a você. Sim, pode ser que não dê certo, você pode
acabar ganhando mal. Mas essa é a vida, ela não é justa mesmo, mas você nunca
vai se arrepender de ter feito a escolha errada, e sim orgulho de ter tentado e
seguido o caminho que desejou.
Um
dos discursos que mais me irrita é o do “mas essa profissão não dá futuro”.
Espera aí, como assim não dá futuro? Ah sim, sempre entra a questão do
dinheiro. Sempre ele, não é? As pessoas querem te obrigar a ingressar num curso
superior para que você tenha mais dinheiro. Isso tem duas vertentes diferentes:
1)
Sim, de uma forma geral, um curso
superior te possibilita uma maior chance de ter mais dinheiro. Você pode fazer
mais concursos, sua profissão possivelmente será mais bem remunerada e por aí
vai.
2)
Por ouro lado, não é regra que você vai
ganhar mais. Você pode ser formado em algo e ganhar 1000 reais e uma pessoa com
apenas o ensino médio pode ganhar o triplo. Isso não quer dizer nada, só
depende você.
O
que eu não gosto é a relação de “universidade x dinheiro”. As pessoas deveriam
escolher entrar na universidade porque ter mais conhecimento é bom. Deveria ser
uma busca pelo conhecimento de alguma área que você admira, para e fazer
crescer como cidadão e ser humano e não necessariamente estar ligado ao
pensamento capitalista. Infelizmente está, pois vivemos num mundo que tem o
capital como foco, mas esse não é escopo de uma escola de pensamentos ou de um
ambiente de produção de conhecimento e reflexão constante. Claro que lembrando
sempre do panorama da sociedade humana, é possível que alguém que aproveite a
universidade da melhor maneira possível, seja um profissional com mais chances
de ter dinheiro.
Mas
veja bem, isso é que é interessante. Tenha amor pelas ideias, viva pelos seus
desejos e pela sede de conhecimento. Busque crescer no curso que escolheu viver
e conviver intensamente aquele universo, não buscando exatamente o retorno
financeiro, mas o seu crescimento como pessoa. Muito provavelmente se o fizer,
também será recompensado com o tal salário alto que todos querem que você
tenha. Não faça nada por fazer ou por obrigação, faça por prazer, por vontade...
A vida provavelmente te recompensará e sua dedicação e seus sonhos não serão em
vão. Mas tenha foco e fé em si mesmo, não se esqueça do seu próprio caminho e
das suas metas como pessoa.
Por
fim, gostaria de ressaltar algo que realmente me incomoda. Ninguém é obrigado a
ter ensino superior. Se você não quer, se não há nenhuma carreira que você
realmente goste, não tenha vergonha ou medo de não fazer. Simplesmente não
faça. Isso é um direito seu. Sobretudo é uma consideração com a própria sociedade,
afinal ocupar uma vaga em uma universidade apenas por que as pessoas te
obrigaram a fazer aquele curso, não levar nada a sério e acabar saindo de lá
apenas com um diploma sem realmente vivenciar o universo do curso que fez, é
melhor não fazer. Se seu dom é ser vendedor, trabalhar em banco, ser padeiro,
ator, atriz, músico, artista em geral, gari, motorista, confeiteira, doméstica
ou qualquer outra coisa que você realmente goste e não necessite, diretamente,
de um curso superior... Seja sem medo. Não tenha vergonha de não cumprir a
expectativa de status de terceiros. Não há “sub-empregos”, todos são
importantes e a sociedade funciona pois cada um deles tem seu próprio papel.
Todos são importantes, absolutamente todos! Não fique com vergonha de ser o que
você é, tenha orgulho de gostar de fazer o que faz.
É
claro que eu compreendo a necessidade do dinheiro, infelizmente não é possível
fazer tudo que quer e viver sem ele. Mas busque algo que realmente você queira
fazer, um papel que definitivamente queira desempenhar. Não foque apenas o lado
financeiro, reflita sempre sobre a sua própria vontade e seus sonhos.
Não
viva a vida que os outros querem que você viva. Seja você, por você. E
orgulhe-se de saber que escolheu seu próprio caminho e se dedicará seja lá com
o que for, seguindo com sorriso no rosto por não ter a vergonha de buscar a sua
própria felicidade, sem estereótipos sociais, idolatria do status e busca
doentia pelo dinheiro. Viva e se permita viver de verdade.
Este texto foi escrito após uma
reflexão sobre alguns dos grandes problemas da sociedade, numa madrugada quente
na primavera.
Renan
de França Souza